6 de julho de 2011

Exercitando a escrita

Se este post tivesse sido escrito ontem, terça-feira, o meu compromisso como blogger teria um pouco mais de credibilidade.

Não faz mal.

Desta vez, inspirada pela coragem e ousadia do meu irmão em publicar textos da sua autoria, vou partilhar um dos trabalhos que me foi requisitado num dos cursos da escola Escrever Escrever que estou a frequentar neste momento.

Nós, alunos, tivemos que criar um personagem, seguindo determinados parâmetros: nome, nacionalidade, aparência, três traços de personalidade e a coisa mais importante que fez na vida. Depois entregámos o seu destino a um dos colegas: o objectivo era criar uma situação de tensão que o obrigasse a revelar-se ou um episódio com a sua cara-metade, escrevendo entre 3.000 e 4.000 caracteres, incluindo espaços; em suma, consistia em explorar o personagem e não deixar que a voz do narrador o abafasse.

Eu tinha em mãos as seguintes informações:

- Rodrigo Fernandes;
- Luso-americano;
- Pequeno, cabelo curto, nariz grande, usa roupa formal;
- Gosta de ver o mundo de forma científica ("tudo tem uma explicação lógica"), não se interessa pela religião, come para esquecer os problemas;
- Apareceu numa reportagem.


- Traga-me o prato mais caro que constar na ementa, por favor.

Enquanto aguardava o seu jantar, Rodrigo observava atentamente as pessoas sentadas nas mesas ao seu redor. Numa delas, colegas de trabalho discutiam política; numa outra, uma família exaltava-se com o preço elevado da comida servida no restaurante mas era na mesa ao lado da sua que o homem sisudo tinha focado a sua atenção.

Seis jovens bem-parecidos comentavam a reportagem que tinha sido notícia de abertura do telejornal de todos os canais televisivos nacionais na noite anterior:

- Já viram? Parece que o cientista Rodrigo Fernandes conseguiu encontrar uma explicação lógica para a origem das mais diversas doenças.

- É verdade. Quem iria conseguir provar que o pensamento e os sentimentos eram assim tão poderosos?

- Tudo ocorre a nível físico, sem dúvida, mas a mente serve de alavanca para todo o processo.

- Tendo em conta as provas apresentadas, concordo.

- Tenha um bom apetite – disse o empregado, ao colocar a última travessa diante de Rodrigo que, absorto na conversa dos rapazes, nem dera conta que já tinha a comida à sua frente.

- Obrigado – respondeu, educadamente.

O cientista tinha diante de si um bife do lombo de vaca mal passado e mergulhado num molho de natas espesso, uma travessa com batatas fritas cortadas em pequenas rodelas e uma outra com salada, mais um copo de vinho tinto que completava a refeição. Ligeiramente enjoado, Rodrigo arrependeu-se da sua ida àquele restaurante segundos depois de ter saboreado a comida, cujo aspecto suculento parecia ser tentação do demónio. O seu mal-estar não se devia à qualidade gastronómica da casa; ele sabia que a máxima “comer para esquecer os problemas” nunca os tinha resolvido, de facto.

A discussão violenta que tivera com a sua esposa era o motivo pelo qual estava perturbado. – Ainda por cima, a culpa foi minha – lamentou num murmúrio. A religião nunca lhe havia suscitado qualquer interesse, contudo, talvez por a sua mulher lhe ser demasiado devota, várias vezes o casal entrava em conflito ao tentar justificar e, ao mesmo tempo, impor o seu ponto de vista ao outro.

Desta vez, Rodrigo tinha-se excedido. Num tom de voz elevado, acusara-a de ser uma mulher fraca que, em vez de encarar as dificuldades e fazer algo para as ultrapassar, preferia passar o tempo enfiada numa igreja a rezar a uma entidade cuja existência nem sequer se havia provado. A sua ofensa deixara Luísa sem palavras mas, através da expressão do seu olhar, Rodrigo deduziu ter-lhe abalado as convicções. Muda e num passo lento, tinha-se encaminhado para o quarto, onde se havia trancado e começado a chorar compulsivamente.

- E se esta for a peça que faltava para compreender a religião?

Rodrigo Fernandes sobressaltou-se com o que acabara de ouvir da mesa onde estavam os seis rapazes que, ainda há pouco, falavam da reportagem onde tinha aparecido. A hipótese sugerida por um dos jovens fez com que o seu foco de atenção regressasse ao presente. – Será que ainda estão a falar do meu trabalho…? Não pode ser... Não tem nexo!

Incrédulo, continuou a escutar:

- Estás a querer dizer que podemos comparar a força da nossa mente à de Deus?

- Não. Mais do que isso – fez uma pausa breve. – Estou a supor que ambos são a mesma coisa.

Rodrigo petrificou, atónito perante tal sugestão. Só o seu cérebro parecia estar a funcionar. E a uma velocidade perturbadora.

Precisou de alguns segundos para se recompor do assombro que o havia invadido. De seguida, reflectiu durante um quarto de hora e, por fim, concluiu:

- Afinal, pode fazer sentido.

A aparente resolução do problema tinha-lhe aberto o apetite. Terminou a refeição, pagou e saiu do restaurante num ápice, ansioso por ajudar a devolver a fé à sua esposa e aprofundar o seu estudo através de uma outra vertente que, outrora, jamais lhe teria ocorrido explorar.


Críticas, comentários ou sugestões são muito bem-vindos.

3 outra(s) inspiração(ões):

Cláudia disse...

Gostei muito do estilo de escrita e da maneira como a história se desenvolveu. Continua assim, que hás de escrever o teu anime um dia! :)

No entanto, quero deixar a nota de que nem todos os ateus têm esse tipo de pensamentos acerca das pessoas que frequentam igrejas. :P

Sofia Bento Mendes de Freitas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sofia Bento Mendes de Freitas disse...

Está muito bom Rita!! Continua =) Quero um dos primeiros livros que autografares =) Bjo **