14 de julho de 2011

Exercitando a escrita II


Ensaio sobre “O verdadeiro Eu”


Por vezes, o ser humano dá por si a questionar a sua própria conduta: “Será que fui justo?”, “Terei interpretado bem?”, “Estarei a fazer um julgamento errado?”, entre outros tantos exemplos, são perguntas bastante frequentes neste contexto que nos remete para a presença de um juiz individual dentro de cada um de nós, mais inseguro e indeterminado do que a pessoa que julgamos ser ou que os outros pensam que somos.

Como se explica este fenómeno?

É porque somos tendencialmente falsos, optando por mostrar perante os outros algo que não somos?

Conheço quem possa concordar com esta teoria. Não é o meu caso; creio que só duas razões suficientemente fortes poderiam justificar este tipo de carácter: o cinismo – a intenção pura de falsear uma situação – ou o medo – a barreira impedidora da genuína exteriorização do indivíduo. A presença constante deste inimigo é, talvez, o motivo mais forte pelo qual o ser humano não se revela ao outro na totalidade porque teme a perda.

Na minha opinião, pode chamar-se à voz interior que nos questiona “o verdadeiro Eu”. Se estivermos atentos, veremos que ela não nos convida apenas a reflectir sobre as nossas atitudes e comportamentos; também nos informa, avisa, sugere, até nos repreende, se for preciso. No fundo, o que denominamos por “consciência” ou “intuição” pode aglutinar-se-lhe sem qualquer sentimento de estranheza, afinal, trata-se de manifestações do “verdadeiro Eu” de ângulos diferentes mas de igual importância.

Particularizando, arrisco-me a afirmar que estas concepções (e haverá mais) exigem um conhecimento mais além do que aquele a que temos acesso na dimensão visível do mundo concreto ou plano terreno em que vivemos. Enquanto, através do sexto sentido, acedemos a determinadas ideias de uma forma involuntária, o acto consciente pressupõe uma análise através do raciocínio lógico da parte de quem experiencia os acontecimentos reais. A diferença reside no facto de, no primeiro caso, o processo ser inconsciente, contudo, ambos sustentam a presença e intervenção do verdadeiro Eu, na medida em que, como referi anteriormente, ele é a nossa voz interior ou, por outras palavras, o nosso espírito que, com uma sabedoria mais alargada, faz fluir em nós mensagens e sentimentos, cuja origem, por vezes, não conseguimos explicar.

A essência genuína de qualquer indivíduo só se exteriorizaria na sua totalidade se este se sentisse totalmente livre, algo que a sociedade contemporânea não permite; como resultado, inibimos uma parte de nós.

Todavia, considero que bastará abrirmo-nos um pouco ao nosso verdadeiro Eu para este se revelar a nós também. Realizada esta comunhão, acredito veementemente na possibilidade de vivermos cada dia com serenidade, esboçada através de um sorriso nos lábios, pois compreenderíamos que tudo na vida não é consequência do acaso, mas do próprio processo evolutivo de cada um.


Disseram-me que lhe faltava um tom mais de dúvida. Aguardo mais opiniões.

6 de julho de 2011

Exercitando a escrita

Se este post tivesse sido escrito ontem, terça-feira, o meu compromisso como blogger teria um pouco mais de credibilidade.

Não faz mal.

Desta vez, inspirada pela coragem e ousadia do meu irmão em publicar textos da sua autoria, vou partilhar um dos trabalhos que me foi requisitado num dos cursos da escola Escrever Escrever que estou a frequentar neste momento.

Nós, alunos, tivemos que criar um personagem, seguindo determinados parâmetros: nome, nacionalidade, aparência, três traços de personalidade e a coisa mais importante que fez na vida. Depois entregámos o seu destino a um dos colegas: o objectivo era criar uma situação de tensão que o obrigasse a revelar-se ou um episódio com a sua cara-metade, escrevendo entre 3.000 e 4.000 caracteres, incluindo espaços; em suma, consistia em explorar o personagem e não deixar que a voz do narrador o abafasse.

Eu tinha em mãos as seguintes informações:

- Rodrigo Fernandes;
- Luso-americano;
- Pequeno, cabelo curto, nariz grande, usa roupa formal;
- Gosta de ver o mundo de forma científica ("tudo tem uma explicação lógica"), não se interessa pela religião, come para esquecer os problemas;
- Apareceu numa reportagem.


- Traga-me o prato mais caro que constar na ementa, por favor.

Enquanto aguardava o seu jantar, Rodrigo observava atentamente as pessoas sentadas nas mesas ao seu redor. Numa delas, colegas de trabalho discutiam política; numa outra, uma família exaltava-se com o preço elevado da comida servida no restaurante mas era na mesa ao lado da sua que o homem sisudo tinha focado a sua atenção.

Seis jovens bem-parecidos comentavam a reportagem que tinha sido notícia de abertura do telejornal de todos os canais televisivos nacionais na noite anterior:

- Já viram? Parece que o cientista Rodrigo Fernandes conseguiu encontrar uma explicação lógica para a origem das mais diversas doenças.

- É verdade. Quem iria conseguir provar que o pensamento e os sentimentos eram assim tão poderosos?

- Tudo ocorre a nível físico, sem dúvida, mas a mente serve de alavanca para todo o processo.

- Tendo em conta as provas apresentadas, concordo.

- Tenha um bom apetite – disse o empregado, ao colocar a última travessa diante de Rodrigo que, absorto na conversa dos rapazes, nem dera conta que já tinha a comida à sua frente.

- Obrigado – respondeu, educadamente.

O cientista tinha diante de si um bife do lombo de vaca mal passado e mergulhado num molho de natas espesso, uma travessa com batatas fritas cortadas em pequenas rodelas e uma outra com salada, mais um copo de vinho tinto que completava a refeição. Ligeiramente enjoado, Rodrigo arrependeu-se da sua ida àquele restaurante segundos depois de ter saboreado a comida, cujo aspecto suculento parecia ser tentação do demónio. O seu mal-estar não se devia à qualidade gastronómica da casa; ele sabia que a máxima “comer para esquecer os problemas” nunca os tinha resolvido, de facto.

A discussão violenta que tivera com a sua esposa era o motivo pelo qual estava perturbado. – Ainda por cima, a culpa foi minha – lamentou num murmúrio. A religião nunca lhe havia suscitado qualquer interesse, contudo, talvez por a sua mulher lhe ser demasiado devota, várias vezes o casal entrava em conflito ao tentar justificar e, ao mesmo tempo, impor o seu ponto de vista ao outro.

Desta vez, Rodrigo tinha-se excedido. Num tom de voz elevado, acusara-a de ser uma mulher fraca que, em vez de encarar as dificuldades e fazer algo para as ultrapassar, preferia passar o tempo enfiada numa igreja a rezar a uma entidade cuja existência nem sequer se havia provado. A sua ofensa deixara Luísa sem palavras mas, através da expressão do seu olhar, Rodrigo deduziu ter-lhe abalado as convicções. Muda e num passo lento, tinha-se encaminhado para o quarto, onde se havia trancado e começado a chorar compulsivamente.

- E se esta for a peça que faltava para compreender a religião?

Rodrigo Fernandes sobressaltou-se com o que acabara de ouvir da mesa onde estavam os seis rapazes que, ainda há pouco, falavam da reportagem onde tinha aparecido. A hipótese sugerida por um dos jovens fez com que o seu foco de atenção regressasse ao presente. – Será que ainda estão a falar do meu trabalho…? Não pode ser... Não tem nexo!

Incrédulo, continuou a escutar:

- Estás a querer dizer que podemos comparar a força da nossa mente à de Deus?

- Não. Mais do que isso – fez uma pausa breve. – Estou a supor que ambos são a mesma coisa.

Rodrigo petrificou, atónito perante tal sugestão. Só o seu cérebro parecia estar a funcionar. E a uma velocidade perturbadora.

Precisou de alguns segundos para se recompor do assombro que o havia invadido. De seguida, reflectiu durante um quarto de hora e, por fim, concluiu:

- Afinal, pode fazer sentido.

A aparente resolução do problema tinha-lhe aberto o apetite. Terminou a refeição, pagou e saiu do restaurante num ápice, ansioso por ajudar a devolver a fé à sua esposa e aprofundar o seu estudo através de uma outra vertente que, outrora, jamais lhe teria ocorrido explorar.


Críticas, comentários ou sugestões são muito bem-vindos.